Jogos de simuladores de fazenda sempre tiveram um bom apelo com o público. Seja o “Colheita Feliz” do extinto Orkut ou o mais recente Stardew Valley, o que não faltam pela internet afora são relatos de jogadores extremamente engajados em gerir suas vidas rurais, passando horas em frente a uma tela plantando, colhendo e criando seus animais. Nesse cenário, a série Harvest Moon foi praticamente uma pioneira, publicando uma infinidade de jogos e, devido ao seu estonteante sucesso durante seus 10 anos de existência, um spin off, com elementos de RPG, foi produzido para a mesma, com este estreando ainda no Nintendo DS, com o nome de Rune Factory: A Fantasy Harvest Moon.
Imagem do primeiro Rune Factory, lançado para o Nintendo DS em 2006
E a ideia de misturar Harvest Moon com RPG deu certo, com o jogo sendo muito bem recebido, a ponto de ganhar uma sequência, chamada Rune Factory 2, pouco tempo depois. Com isso, mais jogos foram sendo lançados (mais 1 para o Nintendo DS e 2 para o Nintendo Wii) e por fim, com o advento do Nintendo 3DS, surgia em 2012 Rune Factory 4, trazendo várias coisas novas para a série, como a opção de finalmente começar o jogo com uma protagonista feminina.
Opção de escolher o sexo do protagonista, com a primeira resultando no protagonista masculino (Lest) e a segunda na protagonista feminina (Frei), cujo nome base poderá ser mudado pelo jogador, se este assim quiser
Após isso, a série spin off de Harvest Moon (que, depois dos direitos do nome terem ido para a Natsume no ocidente, veio a se chamar Story of Seasons) ficou um bom tempo sem novidades, porém, em 2019, Rune Factory 4 ganhou um remaster para Nintendo Switch, intitulado de Rune Factory 4 Special, sendo lançado posteriormente (em 2021) para PlayStation 4, Xbox One e PC, sendo esta a versão que essa análise irá tratar.
Tela inicial de Rune Factory 4 Special
Remasterizar um jogo pode parecer uma tarefa simples, porém também significa que um título antigo, de outra época, irá competir com obras mais recentes. Será que Rune Factory 4 Special realmente consegue segurar a barra, se tornando uma boa opção de RPG mesmo nos dias atuais? Ou a vaca foi pro brejo aqui? Bem, só há uma maneira de descobrir, que é se equipando com uma enxada, pegando as sem*ntes de nabo e se preparando para o intenso furacão de vindouros spoilers!
Desmemoriados, dragões falantes e velhos matusquelas
A história de Rune Factory 4 tem início com o protagonista (independente do sexo escolhido) indo entregar uma estranha pedra azul para o Elder Dragon (que são como são chamados os 4 dragões elementais que regem o mundo da série) da cidade de Selphia, Ventuswill. Porém, no meio do caminho ele é assaltado por 2 jagunços que entraram clandestinamente no dirigível em que o mesmo estava, e além de darem uma pancada na cabeça do coitado, fazendo-o perder a memória, ainda o derrubam da aeronave, fazendo-o cair de cabeça na cabeça do dragão que ele deveria encontrar.
Após o ocorrido, o protagonista acaba sendo confundido com um príncipe chamado Arthur que chegaria no lugar, contudo após o próprio aparecer, a identidade do mesmo continuou sendo um mistério, e ninguém de Selphia se recordava de tê-lo conhecido anteriormente. Porém, como Ventuswill havia notado que o dito cujo se tratava de um Earthmate (um indivíduo que possui uma grande afinidade com a natureza), tratou de deixá-lo morando ali mesmo, no palácio, e também botando-o pra trabalhar. Literalmente.
E assim a história de Rune Factory 4 tem início, com nosso protagonista desmemoriado fingindo ser um príncipe na cidade pacata de Selphia, repleta de indivíduos bem peculiares. A narrativa do jogo é dividida em 3 atos, com o primeiro mostrando Lest/Frei trazendo para Vestuswill alguns indivíduos que haviam sido transformados em monstros. Estes, chamados por ela de Guardians, eram antigos conhecidos seus, que haviam se sacrificado no passado de modo que o tempo de vida do Elder Dragon fosse ampliado (já que ela não iria viver mais por muito tempo).
Isso causava bastante tristeza em Vestuswill e, de modo a seus antigos amigos não tentarem se sacrificar novamente, ela apagava suas memórias sobre terem se conhecido anteriormente, fazendo com que eles vivessem tranquilamente em Selphia, sem terem consciência da sua relação passada.
E assim aconteceu com Amber, Dylas e Dolce, porém ainda faltava 1 guardião, o Leon, com este estando em Leon Karnak, um local que, por sua vez, estava sendo afetado pela Forest of Beginnings (a dimensão para onde os monstros vão quando são mortos), sendo extremamente difícil para um humano adentrar naquele lugar. Contudo, Lest/Frei conseguiu esse feito e resgatou o último dos amigos de Ventuswill, que por fim acabou retornando as memórias que havia apagado dos outros 3 Guardians, com todos se reunindo novamente, após anos de distanciamento.
No segundo arco, o Império Sechs, governado pelo maníaco Ethelberd, invade Selphia à procura das Rune Spheres que o protagonista tinha espalhado pelo mapa para que Vestuswill vivesse por mais tempo, e com isso o dragão acaba entrando em coma. Lest/Frei então adentra em território inimigo para recuperar as benditas pedras.
O velhote imperial, que já havia tido seu traseiro chutado por um Earthmate no passado (mais precisamente, pelo protagonista do primeiro Rune Factory) queria usar o poder das pedras para se tornar uma espécie de divindade, ou algo do tipo, para cumprir seus desejos maquiavélicos de dominação mundial, sonho molhado de adolescente, o que quer que fosse.
De todo modo, o protagonista sobe na fortaleza voadora imperial para chutar a bunda decrépita de Ethelberd e, quando se digladiam, o mesmo acaba se fundindo com Vestuswill. Porém, Lest/Frei consegue energia dos seus amigos de Selphia, e juntos conseguem derrotar o figurão.
Por fim, Vestuswill, após gastar toda sua energia, acaba desaparecendo e o terceiro arco inicia com os Guardians procurando por uma maneira de trazê-la de volta. E assim lá vai o protagonista, adentrando nas intrínsecas masmorras de Rune Prana, apenas para reviver o dragão, o que realmente acontece no final, com o mesmo retornando e tudo terminando alegremente. E fim.
Bem, esta é a história de Rune Factory 4. O maior problema aqui não é o fato dela ser uma trama simples, focada em um dragão elemental e sua relação com a cidade que governa e seus amigos e sim a forma mequetrefe como isso é construído no decorrer da narrativa.
Por exemplo, a trama conta a todo momento que Vestuswill possui uma história enorme de amizade com os Guardians, a ponto destes se sacrificarem para que ela não morresse, porém isso nunca é mostrado na tela, apenas relatado pelos mesmos no passado, de forma expositiva. Não existe um flashback, ou mesmo uma breve missão onde o jogador possa jogar com esses personagens na época onde essa relação deles foi construída (tipo o que Final Fantasy VI faz quando vai contar o passado da mãe da Terra com o Maduin), com tudo ficando limitado a um período distante, impessoal e offscreen.
E a coisa piora quando se trata do protagonista. Tirando o fato dele ter caído de cabeça em cima da Ventuswill, e de alguns outros momentos esporádicos da história principal, ele não teve uma relação bem construída com a mesma a ponto de querer mover deus e o mundo apenas para que o dragão não fosse de base. Os Guardians, beleza (eles se conheciam em um passado distante e offscreen, mas se conheciam), mas ele? Por que, cara pálida, por que caralhos voadores quer fazer de tudo para salvar esse calango tamanho família que já está fazendo hora extra nesse mundo há séculos?
Com isso, parece que o protagonista e os Guardians nada mais são do que indivíduos com a maturidade de um broto de bambu, que não conseguem se desprender do passado e, ao invés de seguirem em frente com suas vidas miseráveis, se recusam a deixar alguém partir. Despedidas são realmente difíceis, porém a morte é a única realidade inexorável da existência, mesmo em um mundo fictício onde seres imortais existem.
Aliás, esse é outro ponto que a história sequer cogita: se recusar a deixar Vestuswill partir não seria também um tipo de crueldade com a mesma que, mais uma vez, estaria fadada a ver todos seus amigos (incluindo a caceta do protagonista, que apesar de ser um Earthmate, é um humano comum) definharem e morrerem?
Vestuswill chega a mencionar isso em um momento, que se sente mal por seus amigos sumirem por causa dela, mas esse ponto de vista não é bem desenvolvido na narrativa
E não é como se os Guardians, o protagonista e a própria Vestuswill fossem personagens ruins, pois não são. O problema é que a narrativa principal de Rune Factory 4 não sabe utilizá-los de maneira correta, e por fim essa trama, que deveria ser uma história emocionante sobre amizade, companheirismo e superação, acaba se tornando uma historinha sobre como se recusar a seguir em frente.
Ah sim, e também temos Ethelberd, um péssimo vilão que só aparece na história para cumprir o clichê de “imperador malvado com megalomania”, cuja única ligação com o jogador só existe se o mesmo jogou o primeiro Rune Factory, onde ele aparece mais jovem. Em resumo, essa criatura só está no jogo para fazer uma espécie de fanservice, afinal ele foi pessimamente construído como força antagônica na trama.
Uma interação realmente especial
Apesar da narrativa principal de Rune Factory 4 ser, no melhor dos cenários, uma pasmaceira total, o jogo está longe de ser um completo fracasso nesse quesito narrativo. Como já foi anteriormente mencionado, os Guardians, o protagonista e a própria Vestuswill não são personagens ruins, porém o mesmo também se aplica a todos os habitantes de Selphia. Ao invés de criarem NPCs genéricos que sempre falam as mesmas linhas de diálogo, aqui o jogo se propôs a dar uma personalidade, rotina e peculiaridades para todo mundo.
Em Rune Factory 4 existem, por volta de, 22 pessoas morando em Selphia, com o jogador podendo conversar, dar presentes, participar de eventos (que são como quests envolvendo dois ou mais personagens) e até mesmo convidá-los para a party. E não obstante a isso, pois, destes NPCs, alguns podem até se relacionar romanticamente com o protagonista, com este podendo namorar, casar e até ter filhos com eles.
Essa mecânica de relacionamento é bem típica da série (mesmo Harvest Moon tinha algo parecido) e aqui, se o jogador for Lest, poderá se relacionar com Forte, Margaret, Clorica, Xiao Pai, Dolce e Amber, e se for Frei, poderá se envolver com Kiel, Doug, Arthur, Dylas, Leon e Vishnal. E não basta apenas responder a uma série de perguntas pré-estabelecidas a la Show do Milhão (como acontece em algumas séries por aí), pois existe todo um sistema de afinidades para cada um destes candidatos, alguns eventos que precisam ser vistos, entre alguns outros pormenores (como comprar uma cama de casal e fazer uma aliança) antes destes subirem no altar e formarem uma família com o protagonista.
Alguns dias de jogo após o casamento, a parceira (ou se o jogador estiver jogando com Frei, a protagonista) ficará grávida, e após mais algum tempo a criança irá nascer, sendo possível decidir se a mesma será menino ou menina. E não obstante a isso, pois a cria também se tornará um NPC de Selphia, com seus próprios gostos e rotina, podendo inclusive, participar das batalhas.
Esse é disparado o ponto mais forte desse aspecto narrativo de Rune Factory 4: a interação com os habitantes da cidade. Eles também costumam comentar caso Lest/Frei estiver andando com o parceiro na party, reclamam caso o protagonista não fale com eles há algum tempo, tudo foi feito de modo com que o jogador realmente crie empatia pelos moradores de Selphia, isso de forma engajante, utilizando das próprias mecânicas que o jogo apresenta.
É até irônico pensar que um jogo desses tem como principal problema em sua narrativa a incompletude em conseguir que o jogador se importe com um personagem, no caso a Ventuswill. Existem vários eventos que ocorrem esporadicamente em Selphia para que o jogador conheça melhor seus habitantes (além da própria rotina destes, que ficam andando pela rua, cumprimentam Lest/Frei, e tudo o mais), porém o dragão, que é o centro das atenções da trama, nunca está presente neles, com ela sempre ficando estática em seu palácio.
Você pode pensar que pode ser difícil encaixar um dragão enorme em eventos que acontecem dentro de residências pequenas ou coisas do tipo, mas o próprio jogo possui uma ferramenta para lidar com essas situações, já que Ventuswill possui uma forma humana! Por que não utilizá-la, para inserir a Elder Dragon na rotina de Selphia, tornando-a alguém ativa no dia-a-dia de Lest/Frei, ao invés de um boneco parado no castelo inicial?
E pra piorar, a forma humana de Ventuswill é bem popular com os fãs do jogo, e caso o jogador escolha Lest, fica subentendido em diversos diálogos que a dragão possui algum tipo de sentimento pelo protagonista, portanto por que não encaixá-la como uma bachelorette (que é como são chamadas as personagens casáveis, com os homens sendo os bachelors)? E não é como se a série não tivesse feito criaturas místicas gigantes relacionáveis antes, vide Raven do Rune Factory 3 (que é na verdade uma espécie de fênix).
Coincidentemente, Raven aparece como um NPC em Rune Factory 4
E também vale lembrar que Rune Factory 4 Special é um remaster do jogo original, sendo lançado 7 anos depois, portanto eles tiveram tempo suficiente para arrumar isso, o que obviamente não foi feito (ao invés disso, adicionaram alguns modos extras no jogo um tanto irrelevantes, que serão comentados adiante), deixando esses problemas ainda mais difíceis de serem engolidos.
Mas mesmo assim, devido a sua interação maravilhosa com seus personagens bem carismáticos, acaba acontecendo com Rune Factory 4 Special o mesmo que ocorreu com Mass Effect 2, The Witcher 3 ou mesmo Dragon Age: Origins, onde um panteão de personagens muito bons transformram uma narrativa simples ou simplória em algo extremamente prazeroso de acompanhar, devido à sua imensa variedade e possibilidade de interações em um mundo incrivelmente vivo.
Progression… Progression everywhere!
A principal mecânica do RPG eletrônico, que o define como um gênero à parte, não é o seu roleplaying e sim sua progressão, a maneira como o ritmo de gameplay está intimamente ligado com essa forma de progredir habilidades, stats e afins, o que comumente é transcrito na forma de uma ficha de personagem (algo que aqui, no Grindingcast, já elaboramos em um podcast específico sobre progressão) e, em Rune Factory 4, isso é levado ao pé da letra em todos os sentidos.
Sejam as mecânicas de simulador de fazenda, de interação com os personagens de Selphia, da fabricação de pratos e equipamentos ou o sistema de combate, tudo está intimamente ligado com sua respectiva mecânica de progressão, a ponto do jogo se tornar injogável se o jogador não souber como manipular esses elementos a seu favor.
Toda atividade em Rune Factory 4, mesmo o ato de andar, de jogar itens, de dormir e até de tomar banho, vai agregar de alguma forma ao desempenho de Lest/Frei no decorrer da jogatina. Começando pelo sistema de combate, o título é um RPG de ação (tal como sempre foi, desde que debutou no Nintendo DS), onde o jogador controlará diretamente apenas o protagonista, porém com outros 2 personagens (podendo ser NPCs de Selphia ou mesmo monstros, que podem ser recrutados) podendo ser integrados na party, contudo estes sempre serão controlados pela IA.
Detalhe que os NPCs de Selphia só aceitarão entrar para a party se a afinidade com estes estiver ao menos no nível 3 – com Forte sendo uma das raras exceções – e caso um evento esteja ocorrendo na cidade e que envolva o mesmo, ele irá se recusar
Não existe nenhum tipo de configuração para que os personagens da party ajam seguindo alguns preceitos específicos (como pegar distância do inimigo, usar itens e magias), com os mesmos normalmente servindo apenas de escudo ou de alvo para os inimigos, enquanto Lest/Frei os finaliza com segurança. E isso é muito útil, já que, caso o protagonista seja abatido, o mesmo será transportado para a clínica do Dr. Jones, onde o mesmo cobrará valores estratosféricos para tratar do mesmo (e se o jogador não tiver a grana necessária para tal, o médico irá levar quaisquer itens raros que o mesmo tiver no inventário).
Quanto às mecânicas de batalha em si, Lest/Frei pode atacar fisicamente (sendo possível portar espadas curtas, espadas longas, espadas de duas mãos, lanças, cajados e machados/martelos), e usar habilidades/magias que consomem RP (o MP do jogo). Também é possível usar itens do inventário (o combate pausa quando o mesmo é aberto), sejam estes poções ou pratos feitos, além de esquivar (o que é praticamente obrigatório na maior parte dos embates contra bosses).
Rune Factory 4 Special possui 4 modos de dificuldade: Easy, Normal, Hard e Hell (com este último tendo sido adicionado no remaster), porém, independente da dificuldade escolhida, o terceiro arco será claramente mais difícil que os outros dois, sendo basicamente um modo pós game (já que mesmo a narrativa presente nele é bem capenga, com a galera querendo reviver Ventuswill e tudo o mais), onde os inimigos disponíveis em Rune Prana serão brutais, possuindo 100 ou mesmo 200 níveis acima do protagonista naquele momento.
A priori pode-se pensar que isso seja um problema de equilíbrio, e até seria, se Rune Factory 4 não desse para o jogador métodos para transpassar essa barreira, o que ele dá de sobra. Claro que o jogador pode ficar grindando níveis como um animal (e existem locais que facilitam isso), porém o sistema de crafting possibilita a criação de vários pratos e equipamentos que permitirão que Lest/Frei possam superar essas adversidades tranquilamente.
Quanto maior a dificuldade escolhida, mais o jogador terá que gerenciar seus recursos e pensar de forma estratégia para superar a dificuldade proposta, tornando o combate de Rune Factory 4 extremamente gratificante nesse sentido.
De ponto negativo no combate, pode-se citar a batalha final do segundo arco, contra o velho matusquela, o Ethelberd. A primeira forma dele é até interessante, sendo bem rápido e possuindo um ataque hitkill (o qual o jogador precisa utilizar os teletransportadores presentes no cenário para esquivar), porém as outras 3 são scriptadas, sendo impossível perder!
É compreensível que alguns combates, devido ao andamento da narrativa, realmente não possam ser perdidos, porém fazer isso 3 vezes seguidas? E ainda em um embate final contra o vilão principal da história? É realmente o pior momento do combate do jogo, mas felizmente ele não é o suficiente para manchar esse aspecto de Rune Factory 4 Special que, apesar de ter um sistema simples, consegue cumprir muito bem o seu papel, dando diferentes possibilidades e estratégias para o jogador transpassar os desafios, e tendo vários modos de dificuldade que se adaptam para diferentes tipos de pessoas.
O simulador de fazenda de Rune Factory 4
Logo no começo de Rune Factory 4, o jogador já é apresentado à mecânica de simulador de fazenda do jogo, com a mesma funcionando de uma maneira bem simples. Com a enxada (na verdade é um enxadão, mas enfim), Lest/Frei pode arar a terra, plantar as sem*ntes e, depois de alguns dias (dependendo da sem*nte), nascerá o vegetal, que poderá ser usado em algum craft (normalmente algum prato) ou mesmo vendido posteriormente (com um baú recolhendo os itens à venda todos os dias, às 8 horas da manhã).
A priori existirão poucas sem*ntes disponíveis, com o jogo começando apenas com nabo (turnip), e a variedade aumentando conforme o jogador for realizando missões através da caixa de correio falante, Elisa. Enquanto a loja da Blossom (a velhinha agradável) vende sem*ntes de leguminosas, a da Illuminata (a elfa auto-intitulada detetive) vende de flores. Também existe uma espécie de pinheiro gigante que, uma vez por dia, dá para o jogador a sem*nte de alguma árvore (que demora vários dias para crescer), isso além de ser possível plantar dungeons (que se exploradas, terão vários andares gerados aleatoriamente), vegetais gigantes e até mesmo espadas e escudos.
E não basta arar a terra e jogar a sem*nte, pois ela também exigirá certos cuidados. A mesma precisará ser aguada diariamente, e além disso o jogador terá de ficar atento aos stats do solo. Sim, mesmo a terra em Rune Factory 4 possui seus atributos, e caso estes fiquem muito baixos (caso sejam feitas várias colheitas em sequência), futuras plantações terão dificuldade em prosperarem por ali. Felizmente existem várias formas de contornar isso, seja plantando milho (com o jogador podendo dar uma enxadada no mesmo para adubar o solo), usar de compostagem (colocando ervas no Fertlizer Bin) ou mesmo usando adubos, que podem tanto ser fabricados quanto comprados em Selphia.
O clima também afetará a produtividade das plantações. Se um furacão passar pela cidade, as plantas que possuírem defesa baixa serão aniquiladas, e os vegetais no geral possuem afinidade com certas estações do ano, crescendo com mais facilidade em uma do que em outra (também existem locais no jogo onde é sempre uma única estação, os quais o jogador pode utilizar para fazer plantios específicos).
Além disso, existem dias onde o clima se encherá de Runeys (esses bichinhos provenientes do poder das runas), ampliando e muito a produtividade da lavoura
Também é necessário se livrar das pedras e troncos de árvores que surgirem, utilizando martelos e machados para retirá-los do caminho. E os materiais provenientes destes, Lumber e Material Stone, serão necessários caso o jogador queira aumentar sua lavoura, ampliar seu quarto, ou mesmo comprar equipamentos, como geladeira para guardar as leguminosas, fabricar uma cama de casal (caso o jogador queira se casar) e até mesmo adquirir ferramentas para poder criar as mais diferentes receitas (usando fornos, liquidificadores, frigideiras, facas), poções ou mesmo criar armaduras, acessórios, armas ou mesmo utensílios pra se usar na lavoura.
É possível conseguir criar itens sem as respectivas receitas (que por sua vez, são conseguidas no restaurante do Porcoline em Selphia, através dos Recipe Bread), contudo elas gastarão mais RP no processo
E trabalhar na lavoura em Rune Factory 4 também pode afetar o desempenho do protagonista em batalha já que existe uma chance de, ao colher algo que plantou, do jogador encontrar Rune Orbs ou Runeys, que irão aumentar alguma de suas habilidades, tornando esse processo longe de ser entediante e monótono.
Por fim, Rune Factory 4 consegue cumprir com louvor as suas funções de simulador de fazenda, encaixando com perfeição as mecânicas de RPG nesse sistema, tornando esta disparada uma das melhores funções do jogo.
Explorando o mundo
A exploração de Rune Factory 4 ocorre em uma visão aérea em terceira pessoa, com uma única cidade (Selphia) e tendo diversas áreas divididas em setores, onde é possível encontrar itens, monstros, baús e mesmo puzzles dentro das dungeons. Nesse remaster, é possível ver o mini mapa no canto inferior esquerdo da tela, mostrando a localização do jogador na região onde se encontra.
Existem alguns lugares onde é possível pescar, com os peixes também variando conforme a região e a estação onde se encontram, podendo ser usados para a fabricação de pratos ou mesmo como complementos em alguns equipamentos. O sistema de pescaria é bem simples e, claro, também existe uma barra de progressão para a mesma, ficando mais fácil de pescar peixes melhores conforme o nível desta for aumentando.
Quanto às dungeons, elas são bem simples, mas possuem dinâmicas bem interessantes, como áreas com muito calor onde os personagens vão levando dano, chãos escorregadios e switches escondidos os quais o jogador precisa derrotar todos os inimigos para encontrar. Também é comum encontrar uma área repleta de inimigos com um portal circular que vai adicionando novos adversários infinitamente, a menos que este seja destruído.
Em muitos momentos (especialmente na dungeon do ato 3, a Rune Prana) é muito mais desafiador lidar com os inimigos normais do que enfrentar os chefes
Além das dungeons normais da história, Rune Factory 4 também conta com o desafio final: Sharance Maze, uma dungeon com 6 andares gerados randomicamente, onde é possível enfrentar monstros até de nível 1000, sendo perfeito para os jogadores mais complecionistas… Ou masoquistas, dependendo do ponto de vista.
Também é possível recrutar os monstros em Rune Factory 4, com alguns deles cedendo itens todos os dias (como os Buffamoo dando leite e os Cluckadoodle, ovos). Para tal, basta usar itens nas criaturas, que irão ganhar um coração em cima de suas cabeças, e se este se completar (e se o jogador tiver espaço no seu Monster Barn, que poderá ser construído usando Lumber e Material Stone), ele será recrutado.
Os monstros também possuem afinidade, e quanto maior ela for, mais funções ele poderá fazer na lavoura (se o jogador resigná-lo para alguma função, como agoar as plantas e arar a terra), assim como os itens que ele ceder toda manhã terão mais qualidade. Além disso, em Rune Factory 4, é possível recrutar os bosses (ao menos a maioria deles, com alguns como Ethelberd, não sendo recrutáveis), porém estes precisarão de itens específicos para tal.
Crystal Mammoth por exemplo, precisa de King Pineaples para ser recrutado – E a chance de sucesso também é bem baixa
O maior problema do jogo nesse sentido fica por conta da falta de um elemento bem específico desse tipo de jogo focado em craft: um bestiário. A todo momento o jogador de Rune Factory 4 está enfrentando monstros ou procurando drops destes para criar algum item e não existe nenhuma opção in game que auxilie o mesmo a adquirir o item que necessita, sendo necessário o uso de conteúdo de terceiros (seja a wiki do jogo ou algum outro guia) para tal, o que é ridículo, ainda mais em um remaster de 7 anos depois.
Gerenciando e explorando Selphia
Rune Factory 4 também conta com um sistema bem simples de gerenciamento de cidade, com o jogador podendo usar Prince Points para aumentar o número de visitantes em Selphia, adquirindo assim mais renome, podendo construir mais shops e organizar os mais diferentes tipos de festivais.
Além disso também existem, como já foi anteriormente comentado, eventos que ocorrem esporadicamente com os personagens, fazendo com que os jogadores possam conhecê-los melhor. Estes são ativados de forma aleatória, e uma vez que um evento tome início (com este ficando em destaque no diário – o ponto de save – no quarto do protagonista), ele precisará ser concluído para que outro aconteça.
Essa aleatoriedade era um problema na versão original do jogo, de 3DS, já que os eventos de casamento e mesmo os que ativavam o terceiro arco do jogo também ocorriam randomicamente (o que poderia fazer com que demorassem meses – do tempo do jogo – para acontecerem, quiçá anos), porém, no remaster, deram prioridade pra ambos, com estes sendo ativados caso os requisitos para os mesmos tenham sido cumpridos.
Os eventos de casamento consistem dos pretendidos tendo que resolver algum problema pessoal para que possam formar uma família e são, no geral, extremamente bem feitos, podendo demorar vários dias para serem finalizados, dando para o jogador uma expectativa de como eles serão cumpridos, isso utilizando a própria rotina do jogo para tal.
Falando em rotina, Rune Factory 4 conta com um sistema de calendário, além de um ciclo de dia e noite, contudo ele não existe, de forma alguma, para delimitar o tempo para alguma missão ser cumprida ou algo do tipo, com o jogador podendo ficar cuidando da fazenda, interagindo na cidade, pescando ou explorando dungeons o quanto quiser.
Claro que é importante sempre ter uma boa noite de sono (com o personagem começando a bocejar caso o jogador se recuse a dormir), o que também aumenta a skill de sono, aumentando o RP (necessário não apenas para os combates, como também para as atividades do jogo no geral) de Lest/Frei no processo.
Existe até um evento do Dr. Jones, que explica por que ele cobra tão caro por seus atendimentos, o que é muito bacana
Claro que os eventos na cidade podiam ser mais intuitivos, e deixar mais claro para o jogador como ativá-los, porém Rune Factory 4, mesmo assim, consegue fazer um trabalho excepcional com eles, agregando ainda mais nessa experiência interativa maravilhosa que este jogo pode proporcionar.
Artisticamente falando…
Rune Factory 4 é, originalmente, um jogo de 3DS, e como um título para o portátil, ele cumpre muito bem o seu papel. Contudo, nesse remaster para plataformas modernas, os gráficos ficaram em alta definição e os models do jogo (em especial dos personagens) deixaram muito a desejar, e certamente que os desenvolvedores podiam ter feito um trabalho melhor nesse sentido.
O que realmente salva o jogo nesse aspecto são os bustos, as artes, dos personagens, todas extremamente bem expressivas e detalhadas, dando ainda mais personalidade para esse cast tão peculiar. As músicas são OK, e quanto ao voice action, adicionaram a opção de áudio em japonês na versão ocidental do jogo, o que é excelente (já que comumente a dublagem americana deixa a desejar, se comparada com a original), porém nem todas as falas estão dubladas…
Na verdade pode-se contar nos dedos as frases que são totalmente dubladas, com o jogo normalmente dublando alguma expressão ou palavra específica dos personagens. OK, essa limitação é até compreensível para um jogo de 3DS (tendo em mente o tamanho do cartucho e tudo o mais), mas mantiveram mesmo no remaster? E em um jogo atual, onde mesmo RPGs independentes, como Cris Tales e Affogato possuem full voice action? É sério?
Isso poderia ter sido uma melhoria trazida no remaster, porém os desenvolvedores tinham outras prioridades, como adicionar dois modos novos de gameplay, que poderiam tranquilamente terem sido adicionados no jogo base, como o Newlywed Mode (modo recém casado), onde o jogador pode ver mini-histórias dos casais formados no jogo, mas com bustos dos mesmos fazendo certos movimentos, que dão até uma certa estranheza, à primeira vista.
E além desse também foram adicionados os Another Episode, onde é possível ver mini-histórias, usando os personagens com uma arte chibi. Existe até mesmo uma da Vestuswill, onde ela se casa com Lest e tem dois filhos e… Cacete, por que não adicionaram isso no jogo de uma vez?
E detalhe que esses mini contos possuem full voice action…
Não é como se esses extras fossem completamente irrelevantes, porém, no fim das contas, não agregam em muito na experiência que o jogo base já conseguia proporcionar, e teria sido muito mais interessante terem gastado assets para melhorar os problemas da narrativa ou do voice action do que terem feito ambos…
Ah sim, também vale mencionar que Rune Factory 4 conta com algumas cenas de animação, curtas e muito bem feitas, a maioria delas relacionadas aos Bachelors e Bacherolettes, deixando bem claro todo o esmero que os desenvolvedores tiveram nesse aspecto de simulador de romance do jogo. No geral, o título, apesar dos pesares, consegue se sair bem nesse aspecto artísitco.
Concluindo…
Atualmente, existem diversos simuladores de fazenda sendo lançados, tanto por empresas grandes (como a Square Enix com seu Harvestella) quanto por pequenas (como o NPC Studio com seu Fields of Mistria), portanto será que, em pleno 2024, Rune Factory 4 Special ainda possui o seu valor? Bem, é fato que o jogo possui os seus problemas, em especial com sua narrativa principal (que não consegue desenvolver devidamente o personagem que toma o palco principal dos acontecimentos), a falta de um bestiário ou mesmo seu voice action incompleto.
Porém, mesmo com eles, ele é capaz de entregar uma experiência tremendamente significativa para o jogador, em especial devido aos seus pontos mais fortes, que são extremamente bem feitos: seu gameplay engajante (seja através do sistema de craft, de simulador de fazenda, do combate e da exploração) e seu cast incrivelmente carismático e interativo, dando a sensação que a cidade de Selphia está realmente viva, utilizando ao máximo as possibilidades que um sistema de videogame tem a oferecer, com rotinas, diferentes opções de diálogo, ações que são refletidas no mundo, entre outras.
É fato que o jogo fica aquém de vários títulos modernos em quesitos gráficos e tecnológicos, porém, mesmo atualmente com seus 12 aninhos, Rune Factory 4 ainda consegue entregar de forma categórica um excelente RPG, levando o jogador para a carismática cidade de Selphia, possibilitando diversas possibilidades de gameplay através do seu intrínseco sistema de progressão, tudo criado de forma a entregar essa bucólica e indelével experiência, que vale, e continuará valendo por muito tempo, a pena ser conferida.
Pontos positivos:
- Cast carismático e interativo
- Excelentes mecânicas de progressão
- Sistema de combate funcional
- Exploração deveras competente
Pontos negativos:
- História principal capenga
- Falta de bestiário
- Incompletude do voice action
NOTA FINAL
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